Há menos teses vinculantes no Direito Penal?

Segundo dados extraídos do site do STJ[1], as quantidades de precedentes vinculantes por área do direito são as seguintes:

Área do Direito

Quantidade de temas

Administrativo

229

Ambiental

3

Civil

158

Empresarial

1

Constitucional

1

Consumidor

48

Trabalho e processo do Trabalho

11

Internacional

1

Penal

60

Penal Militar

1

Previdenciário

83

Processo Civil

394

Processo Penal

49

Processo Penal Militar

1

Tributário

268

TOTAL

1.293[2]

 Como se sabe, com exceção dos processos de competência da Corte Especial, que não é dada por ramo do direito, no Superior Tribunal de Justiça cabe à Primeira Seção e respectivas Turmas (1ª e 2ª), julgar as discussões de direito público; à Segunda Seção e respectivas Turmas (3ª e 4ª) apreciar os casos de direito privado; e à Terceira Seção e respectivas Turmas (5ª e 6ª) compete julgar os processos de direito criminal.

Feito o apontamento, dos dados da tabela acima pode-se concluir que:

·     977 temas possuem potencial utilidade para a Primeira Seção: 583 de direito material + 394 de direito processual civil.

·     611 temas possuem potencial utilidade para a Segunda Seção: 217 de direito material + 394 de direito processual civil.

·   110 temas repetitivos possuem potencial utilidade para a Terceira Seção: 61 de direito material + 50 de direito processual penal. 


Isso quer dizer que a Primeira Seção, que no passado possuía o maior número de processos e que hoje conta com o menor estoque e distribuição, pode ter se beneficiado da existência dos precedentes de observância editados sobre temas da sua jurisdição.

São quase 9 vezes mais precedentes em potencial para a Primeira Seção do que os que possuem potencial de utilização pela Terceira Seção.

 No Supremo Tribunal Federal o quadro não parece ser diferente, pois a pesquisa por ramo do direito no site do STF indica 43 registros de temas listados em direito penal material e 46 de direito processual penal, num universo de 1.361 temas já afetados[3] por aquele Tribunal.

Em suma: há cerca de 200 temas de direito penal e processual penal dentre as 2.654 questões já afetadas como temas da repercussão geral pelo STF ou recursos especiais repetitivos pelo STJ[4].

No tópico a seguir, algumas reflexões sobre possíveis causas desse número menor de precedentes vinculantes em direito penal e processual penal.

 

É MAIS DIFÍCIL USAR OS TEMAS NA SEARA PENAL?

Em exercício reflexivo livre, vejam-se algumas particularidades que talvez tornem mais difícil o uso dos temas vinculantes no campo do direito criminal:

1.  As particularidades dos habeas corpus, que chegam ao STF e ao STJ por regras de competência hierárquica e não por tipo de matéria a ser decidida (se constitucional ou infraconstitucional), fazem com que o STJ seja sempre chamado a aplicar diretamente o direito constitucional e o STF, por sua vez, a aplicar diretamente a legislação federal. Ambos tendem a ter entendimentos sob quaisquer alegações das impetrações.

2.   Direito Penal e Processual Penal são amplamente constitucionalizados. Por isso, é raro que o STJ tenha, como ocorre em outras áreas do direito, o que se gosta de chamar de a “última palavra”[5] sobre a interpretação da legislação federal. Tal fato pode exigir maior coordenação entre STF e STJ, além de revelar específicos desafios hermenêuticos.

3.  O direito criminal parece ser mais casuístico, dificultando a edição de teses que efetivamente sirvam para casos suficientemente semelhantes. A tutela da liberdade do indivíduo sempre terá por consequência o maior impacto das pequenas particularidades.

4.  A competência do STF para apreciar o recurso ordinário em habeas corpus transforma a Corte Suprema em verdadeiro tribunal de apelação de decisões do STJ. Tudo tem o potencial de ser revisto, senão no Recurso Ordinário em Habeas Corpus, no próprio Habeas Corpus de competência originária do STF contra ato praticado por Ministro do STJ.

5.   O habeas corpus tem significado, no STJ, a prevalência desse modo particular de atuação do Tribunal da Cidadania[6] [7], em que as questões são examinadas de maneira direta, sem todas as particularidades (e “vantagens vinculantes”) que os recursos possuem.

Todas essas dificuldades, contudo, fazem com que a utilização prioritária dos efeitos vinculantes do sistema de precedente precise ser ainda mais incentivada. Afinal, se é possível que não existam (ainda) precedentes em número adequado, parece certo que os existentes não tem sido suficientemente lembrados e aplicados, inclusive pelas instâncias originárias, no exame prévio de admissibilidade dos recursos especiais.

Vale, em qualquer caso, conferir alguns dos benefícios processuais da aplicação dos precedentes de observância obrigatória.

CONCLUSÕES           

Ao incluir de modo expresso entre os direitos e garantias fundamentais do art. 5º da Constituição Federal o inciso LXXVIII[1], que estabelece a “razoável duração do processo”, o Constituinte reformador indicou rumos para a solução dos problemas de excesso e mora dos processos judiciais: num sistema de leis abstratas, conclusões tomadas por Tribunais sobre a interpretação legal em determinados procedimentos especiais (que geram precedentes vinculantes ou qualificados) devem ser utilizadas na solução de discussões judiciais futuras e semelhantes, do modo mais uniforme, prático e objetivo possível[2].

Para atender não só à celeridade, mas também à necessidade de uma prestação jurisdicional uniforme e justa, na mesma Emenda Constitucional n. 45/2004, que positivou o referido direito à razoável duração do processo, foram inseridas poderosas ferramentas para auxiliar em tais objetivos, como a repercussão geral e a possibilidade de edição das súmulas vinculantes.

O Legislador ordinário captou a mensagem e seguiu instituindo instrumentos igualmente úteis, tais como os recursos repetitivos, com seus múltiplos efeitos, propósitos que se consolidaram[3] no atual Código de Processo Civil, editado em 2015, numa lógica definitivamente voltada à construção de um sistema racional de precedentes.

O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm se empenhado na edição das teses dotadas de efeitos vinculantes. Contudo, passados mais de 15 anos da das primeiras teses repetitivas ou da sistemática da repercussão geral e afetadas cerca de 2.500 questões, parece não haver dúvidas de que esse sistema pode ainda produzir muitos efeitos benéficos de racionalização da jurisdição.

Contados quase 20 anos da Emenda Constitucional n. 45/2024, os seguintes desafios, parecem clamar por atenção:

·       Os temas afetados precisam ser conhecidos e utilizados.

·   Os operadores do direito devem priorizar os temas na construção se seus argumentos e fundamentos, o que permitirá a adoção de decisões mais diretas e objetivas.

·  Os desafios na construção de precedentes em matéria penal devem ser estudados de modo específico.

·       A coordenação entre STF e STJ pode ser decisiva.

·     Deve haver instrumentos de incentivo para a construção de tais precedentes, tais como a criação de setores específicos dos tribunais para discuti-los, convocação de especialistas que auxiliem na identificação e consolidação de estudos que sirvam como subsídios, realização de jornadas, seminários, simpósios etc.

·      Envolvimento dos Laboratórios de Inovação dos Tribunais para se debruçarem, junto aos órgãos julgadores, sobre tais questões, traçando metas e definindo meios de alcançar soluções que se refletirão no médio e no longo prazo.



[1] BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 14 nov. 2024.

[2] Como estabelece o CPC em seu art. 926, “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.

[3] A Lei nº 11.418, de 2006, já havia inserido os recursos repetitivos no Código de Processo Civil de 1973.


[1] https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/

[2] O site do STJ indica um total de 1.293 temas, mas a soma por assunto é de 1.309, o que indica a possível duplicidade na contagem de um pequeno número de temas, que simultaneamente podem estar classificados em mais de um assunto. Deve ser observada, também, a existência de afetações canceladas.

[3] Dados disponíveis em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/pesquisarProcesso.asp

[4] Uma pequena quantidade desses temas foi cancelada pelos respectivos Tribunais.

[5] Equivocadamente, a meu ver, pois há diversas regras de competência por meio das quais o STF sempre poderá entender por sua competência de definir a solução final sobre as controvérsias, especialmente as de aplicação abstrata do direito.

[6] No ano de 2023 foram distribuídos 75.967 habeas corpus, cerca de 60% do total de 125.035 processos distribuídos à 3ª Seção e às 5ª e 6ª Turmas, órgãos de competência exclusivamente criminal do STJ. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiMTRhYTAxOWUtYWU0OS00MDdlLWE0MTAtM2Q5MmI1N2UzNTgzIiwidCI6ImRlMjNkNWYwLWNjYWMtNGM4NC04MWQ2LTI4OTJhOGMwNTVhYSJ9. Acesso em: 14 nov. 2024.

[7] Apesar da tradição desse “apelido”, que bem identifica as funções de garantidor dos direitos do STJ, gosto de me referir a essa Corte Superior como o “Tribunal da Harmonia”, dada a sua missão constitucional de pacificar a aplicação, em tese, da legislação federal.

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