O exame de admissibilidade dos recursos mudou!

SIM, O JUÍZO DE ADMISSBILIDADE DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS MUDOU. E MUITO!

Aqui chamamos de "recursos excepcionais" o recurso especial e o extraordinário. Esses recursos são manejados principalmente perante os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais com a finalidade de levarem ao STJ e ao STF a discussão.

Mas será que esses recursos sempre serão enviados ao STJ e ao STF?

Muita gente ainda não sabe, mas nos últimos anos ocorreram grandes mudanças na forma como tais recursos são analisados pelos tribunais de origem, no exercício do chamado "juízo prévio de admissibilidade" desses recursos. 

Porém, nem sempre os recursos serão remetidos e até mesmo a "clássica" Súmula n. 727 do STF foi expressamente relativizada pelo STF, como falaremos melhor adiante.


1.O QUE É O JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS?

Tradicionalmente, o juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário se limitava a uma verificação que, ainda que concluísse pela inadmissão desses recursos, sempre poderia ser submetida ao tribunal de destino - STJ ou ao STF - por meio da interposição de um agravo (antigamente era por o agravo de instrumento e, depois, por agravo em recurso especial ou o agravo em recurso extraordinário, a depender do recurso).

Hoje, contudo, esse "juízo de admissibilidade propriamente dito" não é a primeira análise que o Presidente ou Vice do Tribunal de origem deve realizar ao receber a petição de recurso extraordinário ou especial.


2. A MUDANÇA É PROFUNDA

Podemos, por isso, falar na existência de um "juízo de viabilidade" dos recursos excepcionais como um gênero, do qual são espécies essa primeira análise, obrigatória, que é um exame de conformidade ou adstrição e o exame de admissibilidade.

Seria mais ou menos assim:

  • Juízo ou exame de viabilidade dos recursos excepcionais realizado pelo Presidente ou Vice do tribunal de origem, observando o art. 1.030 do CPC:
(i) Juízo ou exame de conformidade ou adstrição (quase sempre realizado em primeiro lugar): verifica se a discussão coincide com a de algum tema repetitivo ou de repercussão geral já afetado pelo STJ ou pelo STF.  
(ii) Juízo ou exame de admissibilidade ou juízo de admissibilidade propriamente dito: realizado em geral de modo subsidiário, ou seja, apenas se o juízo de conformidade não for positivo, se não der "match").

  

3. O QUE MUDOU NA SÚMULA 727 DO STF?

No texto não mudou nada, mas sua aplicação foi relativizada.

Como se sabe, os recursos excepcionais possuem hipóteses específicas de cabimento, ou seja, não podem discutir qualquer questão e são reservados, em geral, para a verificação da correta aplicação da interpretação da Constituição (RE, recurso extraordinário) ou das Leis (REsp, recurso especial) de modo abstrato, ou seja, em tese.

Quando é interposto um recurso especial, que por força do art. 1.029 do CPC deve ser apresentado "perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido" (tribunal que proferiu o acórdão recorrido), será realizado esse exame prévio dos recursos.

Como já mencionado, mesmo inadmitido o recurso excepcional era possível apresentar um agravo em recurso especial (ou AREsp) ou agravo em recurso extraordinário (ou ARE) e esse novo recurso sempre devia ser enviado ao tribunal superior (no caso do recurso especial, ao STJ).

Esse era o fundamento da Súmula n. 727 do STF, segundo a qual "Não pode o magistrado deixar de encaminhar ao Supremo Tribunal Federal o agravo de instrumento interposto da decisão que não admite recurso extraordinário, ainda que referente a causa instaurada no âmbito dos juizados especiais".

A conclusão valia também para os recursos especiais.

Resumindo: o agravo interposto contra a decisão do presidente ou vice do tribunal de origem que inadmitia um recurso excepcional sempre deveria ser remetido ao tribunal superior.

Porém, a Súmula n. 727 do STF foi publicada em 11/12/2003 e seu conteúdo se encontra parcialmente superado pelas novas disposições processuais sobre os recursos repetitivos e a sistemática da repercussão geral.


4. E QUANDO É QUE OS RECURSOS NÃO "SOBEM" MAIS AO STJ OU AO STF?

Na atual lógica, implementada após a Emenda Constitucional n. 45/2004 por leis esparsas que alteraram o antigo CPC e consolidada no CPC de 2015, antes de passar ao exame de admissibilidade propriamente dito dos recursos excepcionais, o presidente ou vice do tribunal de origem deverá examinar se existe tese questão afetada à sistemática dos recursos repetitivos ou da repercussão geral, haja ou não tese fixada.

É aquele primeiro juízo, chamado de conformidade ou adstrição, mencionado no item 2.

Afinal, se a questão discutida no recurso especial ou extraordinário for objeto de um desses temas, que geram conclusões abstratas e de observância obrigatória, a serem observados sempre que houver o enquadramento legal, deve-se privilegiar o sistema de precedentes vinculantes, que racionaliza o sistema, garantindo isonomia e segurança jurídica, além de conferir celeridade ao cumprimento da principal função do STJ, por exemplo, que é de uniformizar a aplicação jurisprudencial das leis federais.

Por isso, em regra, apenas quando não houver essa identificação entre um tema e a questão discutida no recurso examinado é que se passará ao juízo de admissibilidade, ou seja, de modo subsidiário. É o que chamamos de juízo de admissibilidade propriamente dito e que na verdade é uma espécie daquele juízo mais geral, que podemos chamar de "juízo de viabilidade do recurso" para evitar confusão.


5. MAS E O AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL OU AGRAVO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO, NÃO SERÁ REMETIDO AO TRIBUNAL SUPERIOR?

Se a decisão impugnada não for de inadmissibilidade propriamente dita, não.

Afina, a conclusão pela inadmissão ocorre apenas como uma segunda e subsidiária etapa do juízo de viabilidade do recurso, que não ocorrerá quando for caso de aplicação de tema. E se não houver inadmissão, não cabe o AREsp ou o ARE.

Em suma: se o recurso excepcional for solucionado com a aplicação de um tema repetitivo ou da repercussão geral, não cabe agravo em recurso especial ou agravo em recurso extraordinário para o tribunal superior: o recurso cabível será o agravo interno (ou regimental) para o próprio tribunal de origem, no qual basicamente só se pode questionar se o presidente ou vice acertou ao aplicar o tema, e nada mais (confira os arts. 1.042 e os §§ 1º e 2º do art. 1.030 do CPC).


6. ISSO PARECE ERRADO, POIS A COMPETÊNCIA DO STJ OU DO STF FOI USURPADA!

Essa solução, que não envia o recurso excepcional ao STJ ou ao STF, não usurpa a competência do tribunal superior, pois se trata de uma competência própria do tribunal de origem, prevista de modo expresso pela legislação, sendo a razão pela qual a Súmula n. 727 encontra-se parcialmente superada.

Além disso, o ARE ou AREsp manifestamente incabível não pode ser remetido ao STF ou ao STJ, pois estando fora das hipóteses de cabimento, deverão ser solucionados pelas cortes de origem.

Mas onde isso está determinado dessa forma? 

No art. 1.030 do CPC, que estipulou as previsões dos incisos I a III para a aplicação obrigatória dos temas vinculantes antes de tratar do exame de admissibilidade e ainda especificou (repetiu, para que não haja dúvidas!), em seu inciso V, "a", que o juízo de admissibilidade só ocorrerá quando "o recurso ainda não tenha sido submetido ao regime de repercussão geral ou de julgamento de recursos repetitivos".

Para conferir sobre o atual entendimento do STF, que relativiza a aplicação da Súmula n. 727, confira, por exemplo, a Rcl 61.641 AgR, relator Ministro Cristiano Zanin, Primeira Turma, julgado em 9/10/2023, DJe de 16/10/2023.


7. SE NÃO HOUVESSEM IMPORTANTES EXCEÇÕES, NÃO SERIA O DIREITO PROCESSUAL.

Vale lembrar que há situações muito específicas em que o recurso será inadmitido mesmo que exista um tema vinculante. São hipóteses como a de intempestividade do recurso e de inexistência de procuração outorgando poderes ao seu subscritor em data anterior e devidamente juntada aos autos naquela data. 

Fora essas situações, mesmo recursos com deficiências que permitiram o seu não conhecimento devem ser retidos na instância de origem para aplicação do art. 1.030 ou devolvidos pelo STF e pelo STJ caso tenham sido indevidamente enviados a esses tribunais. 

Isso quer dizer, por exemplo, caso haja um tema repetitivo sobre o que o recurso pretende discutir, mesmo um AREsp que não tenha realizado a devida impugnação dos fundamentos da decisão de inadmissão e inadvertidamente chegue ao STJ deve ser devolvido para que a instância de origem, a quem caberá realizar o juízo de adstrição e aplicar o tema antes de cogitar da possível inadmissão.


8. CONCLUSÃO E DICA

O envio de um RE ou REsp ao STF ou STJ não depende apenas da vontade das partes. O sistema processual foi alterado de modo a privilegiar a uniformização e a adoção de soluções de mérito, de modo que os tribunais superiores, responsáveis pela consolidação dos precedentes, fixem os temas para que sejam aplicados em todos os processos que tenham as mesmas discussões.

Hoje é assim que funciona e não foi reconhecida qualquer inconstitucionalidade nessas normas, o que impede que partes e magistrados atuem de modo contrário a essa determinação do legislador.

Por fim, sempre é bom relembrar o conteúdo do art. 1.030 do CPC, seguramente um dos mais importantes artigos de todo o código e o mais importante quando se trata de recursos excepcionais (foca nos negritos):

Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá:

I – negar seguimento:

a) a recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime de repercussão geral;

b) a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos;

II – encaminhar o processo ao órgão julgador para realização do juízo de retratação, se o acórdão recorrido divergir do entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça exarado, conforme o caso, nos regimes de repercussão geral ou de recursos repetitivos; 

III – sobrestar o recurso que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda não decidida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se trate de matéria constitucional ou infraconstitucional;

IV – selecionar o recurso como representativo de controvérsia constitucional ou infraconstitucional, nos termos do § 6º do art. 1.036;

V – realizar o juízo de admissibilidade e, se positivo, remeter o feito ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, desde que:

a) o recurso ainda não tenha sido submetido ao regime de repercussão geral ou de julgamento de recursos repetitivos;

b) o recurso tenha sido selecionado como representativo da controvérsia; ou 

c) o tribunal recorrido tenha refutado o juízo de retratação. 

§ 1º Da decisão de inadmissibilidade proferida com fundamento no inciso V caberá agravo ao tribunal superior, nos termos do art. 1.042.

§ 2º Da decisão proferida com fundamento nos incisos I e III caberá agravo interno, nos termos do art. 1.021

 

Confira mais dos efeitos do sistema de precedentes vinculantes clicando aqui: http://www.recursosrepetitivos.com.br/p/sistema-de-precedentes.html  

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Tema 1320 do STJ

Definir se a inobservância do perímetro estabelecido para monitoramento de tornozeleira eletrônica configura falta disciplinar de natureza g...